Da juventude à velhice, a mudança é uma constante. Mas em cada etapa da vida, há um elemento comum: a casa. É nela que estudamos ou trabalhamos, desfrutamos sozinhos ou em família, e descansamos depois de um dia fácil ou difícil. É nela que podemos alimentar o sonho de construir e aumentar a família, mas também envelhecer e voltar a ter o ninho vazio. Seja em que momento for, a casa acompanha o ciclo da vida. E se antes a casa para a vida toda era a regra, hoje os novos contextos pedem alternativas, tal como contam os especialistas ouvidos pelo idealista/news.
As pessoas mudam de cidade (ou até país) para estudar ou trabalhar; fogem para o campo para viver com maior tranquilidade; ou, pelo contrário, procuram instalar-se em centros urbanos para estar perto de tudo (comércio e serviços). E também há que seja empurrado para outras zonas pelos altos preços da habitação. De uma forma ou outra, a verdade é que em todas estas fases, e com diferentes motivações, a casa ajuda (ou dificulta) a tomada de decisões vitais. E numa altura em que as formas de vida estão a mudar, fará sentido pensar a habitação de uma perspetiva “macro”? Haverá, de facto, uma casa “ideal”? Ter uma casa para a vida inteira continua a fazer sentido?…
Ser estudante ou ir trabalhar para outra cidade, implica frequentemente ir trocando de casa, muitas vezes partilhando espaço e vivendo em quartos. Depois, em regra, chegam as casas arrendadas por conta própria. Mas, historicamente, Portugal é um país de mais proprietários do que inquilinos, e muitos são os que desejam ter o seu espaço e decidem canalizar esforços e poupanças para ter casa própria, sobretudo recorrendo a crédito habitação. E é então que se compra a primeira casa. Entretanto, a família cresce e a necessidade de espaço aumenta. Mas a seguir os filhos saem de casa e ela volta a ficar vazia. Os quartos já sobram e a velhice exige outras condições. É a vida a acontecer…
Na idade adulta, apesar de nada ser estático e estarmos em constante evolução, em alguma fase temos a expetativa de ter uma casa para a vida toda. Porquê? “A ideia de segurança, previsibilidade, porto seguro e de pertença são ideias centrais no ser humano e uma casa dá-nos algumas destas sensações. Precisamos de saber para onde voltar, ter essa segurança para nos podermos dedicar a outros projetos com mais estabilidade e previsibilidade”, explica a psicóloga Catarina Lucas.
Segundo a especialista, quando somos mais novos, “temos tendência a ser menos exigentes porque acima de tudo queremos a nossa independência e um espaço que possamos organizar à nossa maneira. Mas com o tempo, tornamo-nos mais exigentes, a família aumenta, passamos mais tempo em casa e as necessidades alteram-se. Na velhice, queremos acima de tudo espaços acessíveis e fáceis de manter”.

Casas para a vida? Tendência está a mudar
Por sua vez, Mariana Morgado Pedroso, diretora geral e arquiteta no Architect Your Home (AYH), considera que nem todas as pessoas procuram uma casa para a vida. Essa ambição ou sonho, diz, poderá ocorrer num “momento muito específico da vida, nomeadamente, para recém-casados ou jovens pais”. “Mas em outras alturas da vida, onde os objetivos e as realidades do dia a dia são diferentes, a procura poderá ser completamente oposta: uma casa temporária para o tempo de faculdade, ou para um novo trabalho, numa cidade diferente, ou um investimento imobiliário que queremos que valorize para vender mais tarde”.
Além disso, para a arquiteta “as casas em que vivemos em Portugal são muitas vezes para uma situação apenas”. “Não creio que a maioria das casas sejam pensadas para transições. O mais próximo disso será provavelmente o apartamento T2 que será flexível o suficiente para uma pessoa solteira, que usa o segundo quarto para escritório ou visitas, ou para uma pequena família, que destina a segunda assoalhada para um ou dois filhos”, refere.
“Na minha opinião existem muitas casas que são flexíveis o suficiente para se adaptarem às transições na vida das famílias. Na verdade, acaba por acontecer sempre uma de duas situações: ou adaptamos a família/vida à casa, ou a casa à vida. E isso é imensamente rico e quanto mais bem desenhadas e pensadas as casas forem, melhor se vão moldar a diferentes vivências”, defende Mariana Morgado Pedroso.

Massimo Forte, consultor, formador e coach, especializado no setor imobiliário, partilha esta mesma visão. “A ideia de casa para toda a vida está cada vez mais em desuso. Apesar de comprarmos a pensar que a casa será para toda a vida, a verdade é que a vida dá muitas voltas. Em Portugal, num mercado médio, a tomada de decisão e rotatividade acontece num prazo médio de cerca de sete a oito anos”, diz, acrescentando que esta frequência pode variar consideravelmente de acordo com diversos fatores, incluindo cultura, localização, fase da vida, situação familiar, trabalho e preferências ou necessidades pessoais.
“Em Portugal crescemos numa cultura de casa para toda a vida já que a casa sempre constituiu o principal ativo familiar”, destaca Alfredo Allen Valente, CEO da iad Portugal. “Basicamente, ao amortizar durante 30 anos um crédito habitação estávamos, simultaneamente, a constituir um património que, de outra forma, dificilmente teríamos na reforma”, explica o mediador.
Para o responsável, queremos uma casa para vida toda “porque também fomos criados numa cultura de emprego para a vida, daí que fazia sentido permanecer na mesma residência, na mesma zona”. “Nos dias de hoje, a nossa relação com a casa tem vindo a mudar. Já não há empregos para a vida, já não há casamentos eternos pelo que somos forçados a rever a situação habitacional com mais frequência. Uma família portuguesa habitará, atualmente, a mesma casa por um período que pode mediar entre sete e dez anos”, analisa.

Também Patrícia Barão, Head of Residental da JLL, se mostra alinhada com esta ideia. Para a especialista, “cada vez mais é difícil termos uma casa para a toda a vida”. “A nossa vida tem várias fases e as casas vão encaixando nas diferentes necessidades. A ideia de uma casa para toda a vida é desejada devido à estabilidade emocional e financeira que proporciona. No entanto, assim como no trabalho, acredito que a mudança é uma constante. As pessoas têm cada vez mais abertura para mudar e para pensar numa casa a médio prazo”, salienta.
“Não é possível generalizar e dizer que todos os portugueses querem uma casa para toda a vida, pois as preferências de habitação podem variar muito de pessoa para pessoa. Nas últimas décadas, em Portugal existe uma tendência de comprar habitação em vez de arrendar, porque ter casa própria permite viver com melhor qualidade de vida e oferece estabilidade e segurança a longo prazo, e muitas pessoas veem isso como um objetivo importante. Por outro lado, como osarrendamentos estão demasiado altos, acaba por compensar comprar, pois a prestação mensal é inferior a uma renda praticada atualmente”, acrescenta João Sousa, CEO da JPS Group.
Falta de oferta e preços altos: um entrave ao sonho de ter casa
Portugal vive atualmente uma grave crise na habitação e as dificuldades são cada vez maiores quer para quem já tem casa, quem para quem está à procura de uma, seja para comprar ou arrendar. Para tentar amortecer o impacto da subida dos juros e inflação no orçamento das famílias, o Governo decidiu lançar o pacote Mais Habitação já em vigor, contudo, continua por resolver aquele que é o maior problema que está a afetar o mercado há vários anos: a falta de oferta, que não é suficiente para dar resposta à procura, e que adia para muitos o sonho de comprar a primeira casa, ou a necessidade de trocar.
Segundo Alfredo Valente, CEO da iad Portugal, atualmente, as casas mais difíceis de encontrar são as casas novas. “Desde a crise que atingiu Portugal na década passada, nunca recuperámos o nível de nova construção necessário para fazer face à procura, o que criou pressão sobre as casas existentes, fazendo disparar os preços. A procura por casas novas é muito grande e é sem dúvida o maior estrangulamento no mercado”, refere.
À equação junta-se o nível de preços das casas, que tem vindo a disparar nos últimos anos, sem o acompanhamento real dos rendimentos disponíveis (que têm aliás vindo a cair por via da subida da inflação). Para o mediador, “o problema está na relação entre o nível de preços e os salários. E isto, sobretudo, para a compra da primeira casa, que é realmente onde a questão se apresenta de forma mais premente”. “A valorização das casas, nos últimos anos, faz com que a troca de casa não seja, na maior parte das vezes, um problema, já que em princípio há uma mais valia significativa resultante da venda da atual para reinvestir na casa nova. Mas na compra da primeira casa sim”, argumenta.

Uma visão partilhada por Patrícia Barão. A especialista considera que “os preços elevados podem tornar a aquisição de casa própria mais difícil, principalmente para jovens e famílias em início de vida”. “Isso pode forçar as pessoas a optarem por arrendar em vez de comprar. O mercado imobiliário português teve um aumento significativo nos preços nos últimos anos e os salários não acompanharam este aumento, o que pode dificultar o acesso à habitação”, salienta a Head of Residential da JLL.
“As famílias perderam poder de compra e o acesso ao crédito está mais caro e mais difícil. Para quem quer entrar no mercado, especialmente os jovens, é um facto que o momento é difícil, quer pela conjuntura económica quer pela falta de oferta para compra ou arrendamento”, acrescenta.
João Sousa, CEO da JPS Group, lembra que “fatores como, a inflação e a alta carga fiscal, tanto para quem constrói como para quem compra, os altos custos dos materiais de construção e da mão de obra, contribuem para o aumento exponencial dos preços das casas”.
Estratégia habitacional “macro”, sim ou não?
O mercado enfrenta grandes desafios, nomeadamente estruturais, que se arrastam há várias décadas. Além das casas não estarem pensadas para as diferentes transições da vida, tal como defende a arquiteta da AYH, não existe uma estratégia habitacional macro, pensada para o ciclo de vida das casas e de quem lá vive.
Para João Sousa,desenvolver uma estratégia habitacional macro em Portugal, que aborde as diferentes fases da vida dos portugueses, poderia ser tanto exequível quanto importante. “Uma abordagem holística à habitação que leve em consideração as necessidades e circunstâncias variadas das pessoas, ao longo das suas vidas, pode melhorar significativamente a qualidade de vida da população e promover um desenvolvimento urbano mais equitativo e sustentável”, refere.

“Criar uma estratégia habitacional macro que se adapte às diferentes fases da vida das pessoas seria importante para responder às várias necessidades da população. Isso pode incluir a promoção de programas de habitação acessível e aqui acredito que terá de ser sempre um trabalho conjunto entre o setor público e o setor privado, através de incentivos fiscais para construção de imóveis adequados a diferentes grupos etários e estilos de vida e acesso ao crédito”, defende Patrícia Barão.
Para Massimo Forte acrescenta que “a mobilidade e infraestruturas são fatores macro a considerar para desenvolvimento de políticas de habitação que façam sentido”. E a “criação de oferta de produto para públicos específicos também”.
“Famílias, estudantes ou jovens e idosos são um exemplo de que cada fase obriga a necessidades específicas, especialmente os idosos. Quantas e quantas habitações não poderiam ser libertas se houvesse a criação de habitações com características, ‘amenities’ e serviços próprios para este target? Não estou a dizer nada de novo, o que falta é passar do papel para a ação e isso significa a flexibilização e apoio a políticas de investimento e habitação que possam resolver questões estruturais através da criação rápida de casas para potenciar sustentabilidade, mobilidade, adaptabilidade, comunidade e, por conseguinte, qualidade de vida”, frisa o especialista imobiliário.
Casas diferentes, para diferentes fases da vida
É difícil aferir qual a casa-tipo ou casa ideal para uma família. Há muitos fatores, entre necessidades, preferências e estilos de vida, que condicionam o que fará mais ou menos sentido em cada momento. Até porque as tendências e vontades sofrem mutações ao longo dos anos, por influência, também, do contexto socioeconómico. Massimo Forte elaborou uma lista de fatores que, na sua opinião, podem influenciar hoje em dia a procura de uma casa:
- Casas a preços acessíveis em áreas urbanas: proximidade e mobilidade são comodidades valorizadas e muito procuradas por famílias e jovens profissionais. Infelizmente a oferta, atualmente possivelmente no futuro é muito inferior à procura;
- Casas a preços acessíveis em áreas com garantia de mobilidade: a mobilidade é cada vez mais um fator determinante para a procura. Seja por questões de melhoria de sustentabilidade ou de custos, a mobilidade facilitada através de transportes públicos, ou vias de acesso rápido a centros urbanos é claramente uma tendência e será cada vez mais o caminho para aliviar a pressão dos centros urbanos e desenvolver zonas satélite como uma verdadeira alternativa;
- Casas com proximidade a boas escolas: para as famílias que valorizam a educação dos seus filhos, esta característica dita muitas vezes a escolha do local onde escolhem viver, não é por acaso que a procura e preço de casas que oferecem este benefício sejam mais elevadas quanto mais próximas;
- Casas em zonas seguras: a segurança é um valor que tem vindo a ser cada vez mais apreciado. Seja o significado de segurança um condomínio fechado ou uma zona de menor densidade populacional;

- Casas específicas em áreas de alta procura ou de alto potencial de crescimento económico e baixa oferta ou oferta adaptada: para investidores com capital disponível casas com características distintivas em locais de alta procura ou alto potencial são sempre uma boa aposta. Capacidade financeira e visão de tendências e potencial são essenciais;
- Casas mais funcionais e sustentáveis: acredito que seja uma tendência de procura cada vez maior para jovens ou para pessoas que já estão numa fase de vida em que a casa precisa de satisfazer funções básicas de forma sustentável sem necessidade de grande espaço, apenas de espaço mais bem pensado e organizado. A praticidade e sustentabilidade terão um papel cada vez mais fundamental como fator de escolha;
- Casas para viver em sintonia com a natureza: casas refúgio, casas autossuficientes, casas que permitem um estilo de vida menos citadino e stressante porque têm mais espaço, ou características específicas, como piscinas, vista para o mar, jardins amplos ou recursos ecológicos podem ser difíceis de encontrar devido à dicotomia de querer estar afastado, mas gozar de mobilidade e proximidade a infraestruturas essenciais.
Os especialistas ouvidos tentaram ainda resumir, por target, o que seriam as características essenciais de uma casa para diferentes momentos da vida:
Casas para estudantes
Estudantes procuram habitualmente apartamentos ou quartos em residências partilhadas com áreas menores, próximos das instituições de ensino, com fácil acesso a transportes públicos.
Patrícia Barão lembra que a dificuldade está na disponibilidade deste tipo de imóveis e a preços acessíveis, especialmente em áreas urbanas. “Acreditamos, por isso, que é cada vez mais importante dar especial atenção a possíveis projetos de residências de estudantes, que podem oferecer oportunidades, neste mercado que tem tanta procura nas grandes cidades portuguesas”, frisa a responsável.

“Este foi durante anos um mercado muito “informal”, muitas vezes até uma forma de as pessoas de mais idade sentirem alguma companhia, arrendando um dos quartos das suas casas, isto na ausência de oferta estruturada”, lembra Alfredo Valente. “Muito recentemente, e dada a oportunidade de negócio, vimos grandes investidores entrarem no mercado, infelizmente, com soluções inatingíveis para a maioria, que se vê neste momento na obrigação de recorrer a situações de habitação sem o mínimo de condições”, acrescenta o mediador.
Casa ideal ou casa tipo para uma jovem família
Para a Head of Residential da JLL, a casa ideal vai depender sempre da dinâmica de cada família e dos interesses de quem a vive. No entanto, “seria ideal que a casa tivesse pelo menos dois quartos, espaço para se trabalhar numa ótica de que hoje em dia a maioria das empresas adotou dois ou mais dias de teletrabalho, espaço exterior, proximidade às escolas das crianças e serviços, e em bairros seguros e familiares”.
Massimo Forte dá o seu exemplo: “Depende muito de estilos de vida que se queiram ter. Já não sou jovem, mas tenho dois filhos de 7 e 14 anos, e para mim é fundamental a regra de 15 minutos a pé de tudo. Têm a possibilidade de ir a pé para a escola, para acesso a transportes, para ir ter com a família e para estar com os amigos sem depender dos pais para os levar a qualquer lado. Também seria muito interessante ter soluções construtivas adaptáveis para famílias que veem a família a crescer”.

O CEO da iad Portugal levanta outras questões e considera que, face às limitações do mercado, a questão do preço terá de ser a primeira a resolver. “Teremos de assegurar que as jovens famílias conseguem suportar a renda ou a prestação mensal da sua primeira casa. E aqui o Estado, no atual contexto de mercado, tem necessariamente de intervir, apoiando, direta ou indiretamente, as famílias jovens”, argumenta.
“E concordo que tem também de intervir no sentido em que, pelo menos algumas das jovens famílias, possam habitar zonas centrais das cidades, evitando que Lisboa, Porto, Coimbra, Braga ou Faro, por exemplo, se tornem vazias de locais. Simultaneamente, e no sentido inverso, criar condições para que famílias jovens se possam fixar na província e em zonas mais rurais, contribuindo para a diminuição da tendência de desertificação do interior do país, incentivando e premiando o teletrabalho, por exemplo”, acrescenta o mediador.
Casas na velhice e senior living
Na velhice, tudo muda. Os filhos saem de casa e os espaços ficam vazios e sem utilidade. As necessidades e cuidados também aumentam. Tipicamente, segundo Alfredo Valente, “os nossos avós ou pais permaneciam na mesma casa toda a sua vida”. Mas a tendência está a mudar. Há quem decida trocar de casa por uma mais pequena, ou utilizar a casa maior como fonte de rendimento, arrendando o espaço, por exemplo. No entanto, a verdade é que a maioria das casas não está preparada para esta fase da vida, segundo os especialistas ouvidos.
“Quando os filhos saem de casa, muitos proprietários optam por uma casa mais pequena, procurando algo com estas características e fácil de manter. A maior riqueza que a maioria das famílias portuguesas tem é a sua casa, é aqui que estão as suas poupanças de uma vida. Alguns podem optar por vender ou arrendaras suas casas e procuram uma nova casa, enquanto outros podem preferir manter o imóvel para investimento”, adianta Patrícia Barão.
A população portuguesa está a envelhecer e os imóveis podem ser projetados ou adaptados para serem mais acessíveis, e com outras características que correspondem às necessidades dos idosos. “É possível projetar casas mais pequenas, sem escadas, de piso térreo e de fácil manutenção, com espaço suficiente e acessibilidade para manter a independência. Mas, também é importante que a localização e a área envolvente sejam de fácil acesso a comércio e serviços, espaços verdes para passear ou fazer exercício físico, transportes públicos, bem como serviços de saúde, serviço especial de apoio a residentes seniores, farmácias para facilitar as rotinas do seu dia a dia”, lembra João Sousa.

Alfredo Valente considera este tema “particularmente complexo”. “A população portuguesa está a envelhecer a um ritmo muito significativo e, enquanto sociedade, não tenho a certeza de que estejamos preparados para garantir o melhor envelhecimento possível aos idosos do futuro, sendo a habitação apenas um dos fatores a acautelar. Diria, genericamente, que se abrem aqui discussões muito interessantes em torno de novas formas de habitar, de que destacaria o coliving, por um lado, e as habitações multifamiliares com serviços partilhados”, sublinha.
Nesse sentido, o senior living pode ser uma aposta para o futuro. A Head of Residential da JLL explica que, durante muito tempo, este conceito dividiu-se em duas categorias: casas que ofereciam aos residentes um elevado nível de independência e outras que proporcionavam um maior nível de cuidados. No entanto, uma nova tendência está a emergir no mercado imobiliário: um tipo de ativo único que junta estas duas vertentes, segundo a responsável.
“Embora este conceito já seja familiar em países como os Estados Unidos, onde estes formatos de habitação têm já uma longa história, os restantes mercados parecem estar agora a acompanhar a tendência, como é o caso de Portugal em que já temos alguns projetos com estes formatos”, adianta.
Projetos para novos e velhos: uma utopia?
Projetos habitacionais para novos, famílias e mais velhos, pensado em torno do sentido de comunidade e entreajuda (nas diferentes fases da vida) ainda não são uma constante, para poderiam fazer parte de uma estratégia habitacional para o futuro. Para arquiteta Mariana Morgado Pedroso, da AYH, o conceito não é uma utopia, até porque já acontece “em vilas, ou mesmo na periferia e zonas habitacionais mais tradicionais”.
“Um projeto habitacional que promove o sentido de comunidade e a entreajuda entre os diferentes grupos etários, como novos, famílias e mais velhos, não é necessariamente uma utopia, mas pode ser um desafio significativo de implementar devido a várias razões, incluindo diferenças de geração, interesses e necessidades. No entanto, há exemplos de projetos habitacionais que incorporaram com sucesso esses princípios”, refere Patrícia Barão. A responsável acredita que seria benéfico pensar os projetos desde ponto de vista, criando ambiente onde os residentes se apoiam mutuamente.

João Sousa destaca um projeto que a promotora JPS está a desenvolver com cerca de 1.200 frações, inserido numa herdade com 45 hectares, em plena natureza: a Herdade Real de Santiago. O responsável diz que se trata de um “novo conceito de habitação e com uma oferta de moradias e apartamentos, destinado a um público de múltiplas gerações”, com uma proposta residencial que abrange as necessidades e interesses de diferentes faixas etárias, “incluindo um serviço especial de apoio a residentes seniores”.
O responsável explica que procuram, cada vez mais, pensar os projetos na suas diferentes dimensões: quer para jovens em início de vida; quer para jovens casais que precisam de viver perto de escolas, comércio, serviços e outras comodidades para facilitar o seu dia a dia; quer para casais que já não têm os filhos em casa e precisam de casas com bom preço e baixa manutenção, mas com espaços agradáveis para usufruírem das visitas dos netos com tempo e qualidade; quer para nómadas digitais e profissionais em teletrabalho que trabalham remotamente e procuram espaços de trabalho diversificados; pessoas que estão numa nova fase da vida e vivem sozinhas e precisam de casas a preços competitivos e que consigam pedir crédito habitação; quer pessoas já numa terceira fase da vida que precisam de casas mais pequenas, que tenham apoios de saúde no próprio empreendimento, casas que tenham todas as comodidades, mas de baixa manutenção, com espaços verdes, jardins privativos, para viver e envelhecer com qualidade de vida.