A medição imobiliária, cada vez mais baseado na tecnologia, é um negócio de pessoas para pessoas. E por isso, no atual contexto cheio de desafios, é cada vez mais importante trabalhar a gestão destas relações desde “dentro”. Profissionalizar o setor, saber gerir equipas e mantê-las motivadas é o que defende Alexandra Americano, consultora em recursos humanos (RH) e formadora em empresas imobiliárias. A especialista considera que para profissionalizar a mediação imobiliária, “podemos e devemos começar por profissionalizar as pessoas que fazem parte dela”, sendo fundamental investir em programas de retenção de talento e formação diversificada, criando equipas de agentes imobiliários motivados e mais capacitados.
A responsável acredita que a “ausência de profissionalização numa empresa imobiliária na área dos recursos humanos, não só impacta o desempenho interno, mas também compromete a reputação da empresa e do setor”. Assim sendo, diz, “é necessário criar processos de recrutamento e seleção eficazes”, mas também criar “iniciativas focadas em motivar e desenvolver as equipas, assim como manter uma cultura interna e um ambiente de trabalho positivo”. Daí a importância de trabalhar a mediação imobiliária de dentro para fora, apostando na gestão das “suas” pessoas.
Alexandra Americano acredita que as empresas imobiliárias que reconhecem a importância destes pilares não apenas atraem melhores talentos, mas também estabelecem uma base sólida para um crescimento sustentável. Acredita, diz, numa liderança humanizada. “E isso não significa “ser bomzinho”, mas sim “procurar criar relações de confiança, fomentar um ambiente de trabalho saudável e a empatia, colocar as pessoas no centro, criando uma rede de apoio e desenvolvimento”, defende.
Nesta entrevista ao idealista/news, a especialista e criadora da conta de instagram @profissionalizate_ – um perfil dedicado à profissionalização do mercado imobiliário – explica por que é que ter conhecimento das práticas de gestão de pessoas não é apenas uma tendência, mas uma necessidade estratégica para as empresas se destacarem num mercado cada vez mais competitivo, explorando os desafios do presente e futuro, na era em que a Inteligência Artificial (IA) também já tem uma palavra a dizer.

A profissionalização do setor imobiliário não é um tema novo. Por que é que é cada vez mais importante discuti-lo?
A profissionalização no setor imobiliário, mais do que uma tendência, tornou-se uma necessidade iminente. É certo que a falta de regulamentação cria uma barreira muitas vezes na confiança entre clientes e profissionais da mediação imobiliária. A implementação de padrões claros, não só protegeria os clientes, mas também reforçaria a credibilidade dos consultores imobiliários. No entanto, a tão discutida necessidade de regulamentação, defendida pelos principais representantes do setor, e tão aguardada pelos profissionais, ainda não vislumbra um ponto de partida. Neste contexto, a minha questão é: vamos ficar de braços cruzados à espera que esta regulamentação “dê sinais de vida”? Faz sentido estarmos constantemente focados em algo que não conseguimos diretamente controlar? Eu pessoalmente considero que não.
Se queremos profissionalizar a mediação imobiliária, podemos e devemos começar por profissionalizar as pessoas que fazem parte dela. Isto significa levar a profissionalização a esferas que conseguimos controlar.
Por exemplo, a ausência de profissionalização numa empresa imobiliária na área dos Recursos Humanos, não só impacta o desempenho interno, mas também compromete a reputação da empresa e do setor. Assim sendo, é necessário criar processos de recrutamento e seleção eficazes. Investir em programas de retenção e formação diversificada como uma estratégia preventiva. Criar iniciativas focadas em motivar e desenvolver as equipas, assim como manter uma cultura interna e um ambiente de trabalho positivo. A profissionalização das empresas imobiliárias, resulta, por conseguinte, em consultores imobiliários mais capacitados e profissionalizados.
Falamos de gestão de pessoas, num mundo em que se discutem agora e cada vez mais, os limites da IA. Quais são os riscos e vantagens para a profissão?
Num cenário onde os progressos tecnológicos, em particular no campo da Inteligência Artificial, alteram as dinâmicas profissionais, a gestão de pessoas não escapa a esta transformação. Não sendo especialista em tecnologia, mantenho-me informada ao acompanhar algumas tendências da área. Acredito que é crucial termos em mente que a IA, embora seja uma ferramenta poderosa, não substitui integralmente a complexidade das interações humanas. A empatia, a compreensão emocional e a capacidade de gerar confiança, por exemplo, constituem características humanas, que não podem ser completamente reproduzidas pelos algoritmos. Penso que a IA deve ser percebida como uma ferramenta de suporte, que proporciona perceções valiosas, permite facilitar processos e práticas, automatiza tarefas, faz análises específicas, e muito mais. Contudo, todos estes resultados, devem ser sempre sujeitos à interpretação humana. Não devemos ter uma dependência excessiva da IA, pois essa dependência pode gerar uma desumanização nas relações profissionais. Acredito que o importante será manter o equilíbrio entre a eficiência da IA e a sensibilidade humana.

Tem-se debatido, nos últimos anos, uma espécie de carteira profissional para ter acesso à atividade. Faria sentido? Se sim, em que medida?
Considero que faria sentido sim, não numa perspetiva de bloquear o acesso, mas numa perspetiva de uniformizar as boas práticas do negócio, assim como a valorização da profissão. É primordial criar uma padronização e qualificação da atividade de mediação imobiliária. Estabelecer critérios claros de formação e experiência poderá garantir que os profissionais assumam padrões mínimos de competência. Infelizmente, algumas empresas de mediação imobiliária e profissionais geram bastante desinformação, criando uma imagem errada perante o mercado. A implementação de uma carteira profissional, poderia ser vista também como uma forma de proteger os clientes. Ao exigir critérios específicos, os clientes poderiam ter mais confiança nas competências e na ética e conduta dos profissionais. Agora, considero essencial uma análise aprofundada dos desafios práticos associados à sua implementação. Quais os requisitos necessários e obrigatórios para a atribuição dessa carteira profissional? De que forma seria feito o controlo para a permanência da mesma? Que consequências práticas estariam subjacentes em caso de incumprimento de um regulamento associado?
Diz-se muito que a mediação é uma atividade de pessoas para pessoas. Como é que um profissional deste setor pode tornar-se a pessoa certa para ser escolhida?
O ponto de partida é mesmo esse, a mediação é uma atividade de pessoas e para pessoas. Mas o que é que isso significa propriamente? Quando falamos de pessoas, não existe uma fórmula universal que possa ser aplicada a todas as pessoas com resultados idênticos. Ser a pessoa certa é um conceito subjetivo, especialmente se considerarmos a singularidade de cada cliente e de cada profissional envolvido. Cada interação é única, e o sucesso depende da capacidade de adaptar abordagens ajustadas a circunstâncias individuais.
Acredito que um profissional com uma essência centrada “de pessoas e para pessoas” destaca-se ao cultivar relacionamentos positivos e interações saudáveis. Ele não apenas ouve para responder, mas ouve para compreender e compreende para ajudar. Este profissional reconhece as necessidades, desejos e circunstâncias de cada cliente. Ele não é apenas um consultor imobiliário, é um agente ativo nas histórias de vida e de novos começos dos clientes. Este procura uma compreensão genuína, conexões reais e duradouras e prioriza relações fundamentadas na confiança.
Eu diria que quando um profissional adota esta abordagem de pessoas e para pessoas, aumenta significativamente a probabilidade de ser escolhido como uma mais-valia pelo cliente.

E que atributos um cliente deve procurar num agente imobiliário?
Atributos específicos, penso que irão sempre depender daquilo que o cliente valoriza, contudo, sou da opinião que existem critérios básicos, que podem orientar o cliente na escolha de um consultor imobiliário.Sem dúvida, as competências técnicas e o profundo conhecimento do mercado imobiliário, são pilares fundamentais na prestação de um serviço profissional ao cliente. Contudo, torna-se crucial que o cliente vá além desses atributos técnicos ao fazer sua escolha. Este deve ter em consideração qualidades fundamentais que definem o caráter e o modo de operar do profissional, como princípios comportamentais e éticos – transparência, respeito, compromisso, honestidade, confidencialidade, integridade entre outros.
Por exemplo, se eu como cliente, procuro um profissional que seja empático, que me transmita confiança e que respeite os meus interesses, se no dia que vou fazer uma visita a um imóvel, o consultor imobiliário tem uma atitude impositiva, está “nem aí” para as minhas necessidades e não estabelece uma conexão genuína comigo, por muito que seja extremamente competente a níveis técnicos e que conheça o processo “de A a Z”, a componente humana deste profissional falhou. Acredito que o caminho para uma escolha certeira, reside na sinergia entre competências técnicas, princípios éticos e diversas habilidades (comportamentais, emocionais e até digitais).
Quais são os principais desafios esperados para a gestão de pessoas em empresas de mediação imobiliária no ano de 2024?
Enfrentamos o desafio iminente de uma transformação profunda na compreensão real da importância da gestão de pessoas nas empresas imobiliárias. Acredito que esta mudança fundamental está nas mãos dos líderes e responsáveis das empresas, os quais precisam reconhecer a centralidade do papel desempenhado pelos responsáveis das pessoas. As empresas imobiliárias enfrentam também o desafio significativo de transformar as suas empresas em algo absolutamente irresistível. Este desafio vai além do simples recrutamento, estendendo-se à retenção dos profissionais num mercado em constante evolução. A capacidade de atrair e manter profissionais torna-se essencial, especialmente face à intensa concorrência. Um terceiro desafio imperativo é o contínuo desenvolvimento de competências.

As empresas devem investir regularmente em formação diversificadaque capacite e diferencie os profissionais, permitindo-lhes lidar com as constantes mudanças no mercado. A ausência desse investimento pode resultar em equipas desatualizadas, o que irá afetar diretamente a eficácia dos consultores imobiliários nas suas transações. O desafio da motivação é algo crucial também. Apesar da profissão de consultor imobiliário exigir ao profissional resiliência e uma mentalidade vencedora, é normal que haja dias em que os profissionais precisem de um estímulo. Não se trata de motivar para realizar tarefas, mas motivar para gerar superação. E em última análise, a falta de uma cultura inovadora representa outro desafio significativo, pois limita a capacidade da empresa de se adaptar às diversas mudanças e tendências. Acredito que superação destes desafios reside na adoção de uma abordagem mais profissionalizada, mais humana e centrada nas pessoas.