O mercado de arrendamento vive dias complicados em Portugal, marcados por uma oferta quase inexistente e preços das casas para arrendar a escalar, além do novo enquadramento legal que resulta de várias iniciativas legislativas recentes. E na hora de se arrendar um imóvel, tanto os inquilinos como os senhorios enfrentam riscos que podem acabar em grandes chatices. Para ajudar a evitar que qualquer uma das partes tenha problemas neste tipo de transações, preparámos um guia com a ajuda de advogados especialistas em imobiliário, que agora apresentamos.
“Já lá vão os tempos em que os arrendamentos eram celebrados de forma verbal, sem contrato escrito, à moda de “um aperto de mãos entre cavalheiros”, as rendas eram pagas em dinheiro com a entrega de um recibo manuscrito e duravam quase uma vida”, começa por recordar desde logo a Belzuz Abogados*, dando nota de que “nos tempos atuais, os contratos de arrendamento estão obrigados à forma escrita, nos termos do artigo 1069º do Código Civil, e contêm, em muitos casos, uma panóplia de cláusulas contratuais, através das quais se tenta evitar todos os possíveis riscos”.
Como evitar riscos no arrendamento urbano para senhorios e inquilinos
Quando pensamos na solução de arrendamento de um imóvel, temos de ter presente que os riscos são bilaterais, ou seja, é preciso que ambas as partes, senhorios e inquilinos, não facilitem ou, estarão a semear graves problemas no futuro.
Nesse sentido, deixamos agora aqui alguns conselhos que podem minimizar os riscos dessa relação contratual:
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Contrato de arrendamento por escrito? Sempre!
Em primeiro lugar, porque é uma obrigação legal, por outro, a segurança de que a vontade das partes se encontra transposta num documento escrito evita, desde logo, mal-entendidos. Os termos de um contrato de arrendamento devem ser claros, percetíveis e, idealmente, representarem um equilíbrio contratual entre as partes. A pressa é inimiga da perfeição e, por isso mesmo, não se devem celebrar contratos de arrendamento de forma precipitada. Trata-se de uma relação contratual de extrema importância, seja no arrendamento para fins habitacionais ou para fins comerciais.
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Documentação relativa ao imóvel a arrendar – Não há que ter vergonha de pedir!
Numa perspetiva de evitar riscos para os inquilinos, é importante verificar a documentação referente ao imóvel que se pretende arrendar.
- O ponto inicial será o inquilino verificar se, quem pretende arrendar, é o proprietário do imóvel ou, não o sendo, se de alguma forma legal lhe assiste o direito de arrendar o mesmo.
- O segundo ponto será verificar se o imóvel tem a licença camarária necessária para o fim a que se destina, ou seja, uma licença de utilização para habitação, no caso do arrendamento habitacional, ou de uma licença de utilização para comércio e serviços, no caso do arrendamento para fins não habitacionais. Igualmente, o imóvel deverá estar descrito na Conservatória do Registo Predial e inscrito na matriz predial, situação que se pode verificar através da consulta da certidão predial e da caderneta predial do imóvel.
- O último ponto será verificar se o imóvel tem um certificado energético válido e, caso o imóvel a arrendar se trate de uma fração, solicitar cópia do Regulamento do Condomínio (caso este exista). Esta documentação deverá ser assegurada pelo senhorio e entregue ao inquilino, no âmbito da concretização do contrato de arrendamento.
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Documentação do candidato a inquilino – Um direito do senhorio!
O senhorio tem direito a avaliar o risco do candidato a inquilino, sendo a sua principal preocupação, a de confirmar se aquele tem ou não capacidade económica para cumprir o contrato de arrendamento. Dado o crescente incumprimento dos contratos de arrendamento, é cada vez mais frequente os senhorios pedirem, para além dos recibos de vencimento dos candidatos a inquilinos e, se casados, dos respetivos cônjuges, a nota de liquidação de IRS. Igual documentação poderá ser pedida aos fiadores e respetivos cônjuges, se aplicável.
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Garantias de cumprimento do contrato de arrendamento – O que o senhorio pode exigir?
Como já referimos, o senhorio tem o direito de avaliar o risco do candidato a inquilino.
- Um dos critérios mais frequentes é o de verificar a taxa de esforço daquele, ou seja, calcular se o total dos rendimentos mensais do futuro inquilino, e cônjuge se aplicável, é superior ao triplo do valor da renda do imóvel. Em termos percentuais, os limites que têm vindo a ser entendidos como recomendáveis são de 25% a 30%.
- Acresce que, caso assim entenda, o senhorio pode pedir garantias adicionais ao cumprimento do contrato. A mais frequente é a constituição de uma garantia pessoal, através da figura do fiador, mas o senhorio poderá solicitar, até mesmo, a apresentação de uma garantia bancária on first demand (à primeira solicitação).
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Caução e antecipação de rendas – Limites do senhorio
- O regime da caução no contrato de arrendamento está previsto no n.º 2 do artigo 1076º do Código Civil, prevendo que as partes podem caucionar, por qualquer das formas legalmente previstas, o cumprimento das respetivas obrigações. É prática comum, o senhorio exigir ao inquilino o pagamento de uma caução em dinheiro, para assegurar, por exemplo, a reparação de eventuais danos no imóvel. No final do contrato, o inquilino poderá reaver a caução, desde que o imóvel se encontre em estado de conservação idêntico ao do momento da celebração contrato.
- O senhorio poderá também exigir o pagamento antecipado de rendas, previsto no n.º 1 do artigo 1076º do Código Civil. Este pagamento antecipado de rendas traduz-se na obrigação do Inquilino pagar, com o início do contrato de arrendamento, mais do que uma renda ao Senhorio. Com a entrada em vigor da Lei do Orçamento de Estado para o ano de 2023 (Lei n.º 24-D/2022, de 30 de dezembro), ou seja, a partir de 1 de janeiro de 2023, ocorreram duas importantes mudanças ao regime de rendas e encargos nos arrendamentos urbanos: a redução do período de antecipação do pagamento de rendas e o estabelecimento de um valor máximo para as cauções.
Novidades legais que tocam nos contratos de arrendamento
É de ter em conta que o pagamento de rendas que, segundo a redação anterior do Código Civil, podia ser adiantado até três rendas, agora só poderá ser adiantado até duas rendas, reduzindo-se desta forma o período de antecipação destes pagamentos.
Por outro lado, as cauções acordadas nos contratos de arrendamento urbano, cujo valor não estava limitado, será agora limitado até ao montante correspondente a duas rendas, impondo-se assim um teto máximo sobre o mesmo.
Ambas as alterações terão grande impacto na relação entre os senhorios e os inquilinos, revelando a intenção do legislador em reforçar a proteção da posição negocial destes últimos neste tipo de negócios.